Pacientes denunciam erros de clínica estética de luxo em Goiânia e mostram lesões e cicatrizes; sócios estão presos
Karine Gouveia e Paulo Cesar Dias Gonçalves eram investigados há quase um ano pela Polícia Civil, acusados de promover procedimentos invasivos sem os requisitos adequados e por profissionais que não tinham capacitação técnica. 63 pacientes procuram a polícia para denunciar clínica de estética em Goiás
Karine Gouveia e seu marido, Paulo Cesar Dias Gonçalves, comandavam uma clínica luxuosa em uma das regiões mais caras de Goiânia, frequentada por famosos. Mas o casal foi preso no mês passado, acusados de causarem lesões em pacientes após procedimentos estéticos.
O casal era investigado há quase um ano pela Polícia Civil de Goiás e teve duas clínicas fechadas, a de Goiânia e uma filial em Anápolis. Desde 2017, 63 pacientes da clínica registraram denúncias.
“O que acontecia ali eram procedimentos invasivos, verdadeiras cirurgias que eram realizadas por profissionais que não tinham a capacitação técnica para tanto, sendo que muitos procedimentos são procedimentos que deveriam ser realizados exclusivamente por médicos”, afirma o delegado Daniel Oliveira.
O Fantástico conversou com três pacientes que se dizem vítimas de erros na clínica Karine Gouveia. Ela e o marido investiam em publicidade nas redes sociais, com vídeos e fotos atraentes, e gostavam de ostentar riqueza com viagens, roupas de marcas, lanchas e helicóptero.
“Eu vi a repercussão que tinha clínica, as postagens, a quantidade de famosos, a quantidade de seguidores”, diz o empresário Marcelo Santos.
“O valor foi interessante, mas o fundamental foi a extrema credibilidade que as postagens dela passavam. Era aquela coisa, a melhor cobrando um preço extremamente barato”, prossegue.
Marcelo pagou R$ 8 mil para fazer uma rinoplastia, uma cirurgia plástica no nariz. “Fizeram raspagem eu sentindo, eu acordado, senti tirar pele, senti tirar cartilagem, senti tirar, raspar o osso. Porém, a cirurgia não deu certo”, diz.
Ele reclamou do resultado e passou por uma segunda cirurgia na clínica, mas o problema não foi resolvido. “Hoje, pra fazer minha cirurgia de correção vai em torno de R$ 60 mil, eu não tenho condições.”
O procedimento nem poderia ser realizado ali, só pode ser feito por médicos, em hospitais, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e o Conselho Federal de Medicina. “Eu me sinto enganado, lesado, frustrado”, afirma o empresário.
Já a psicóloga Vânia Ribeiro investiu quase R$ 20 mil em uma harmonização facial. “Seria nas pálpebras inferiores, no bigode chinês, nos lábios e no ângulo da mandíbula. Eu sempre pergunto qual é o produto usado e eles me falaram que seria o ácido hialurônico.”
Não era. O produto injetado na pele dela, segundo exames médicos, foi óleo industrial. “É um produto que não foi feito para o corpo. Eu não tenho nenhum prejuízo grande, mas eu conheci mulheres e homens deformados, que passaram pelas mãos deles e que lutam todos os dias contra a depressão.”
Uma terceira paciente, que não quer se identificar, convive há meses com cicatrizes. Pagou R$ 4,5 mil para fazer uma lipoaspiração de papada. “Quando eu olho no espelho, eu levo um choque. Movimentar o pescoço de um lado pro outro, repuxa. Pra mim, abaixar, dói. Então, é doloroso ainda, até hoje.”
As vítimas, que já registraram ocorrência na polícia, estão passando por exame de lesão corporal no Instituto Médico Legal (IML). O procedimento identifica o grau de cada lesão e se ficou alguma sequela. Ao mesmo tempo, os peritos criminais analisam os produtos apreendidos na clínica.
Foram recolhidos medicamentos abertos, seringas que deveriam ter sido descartadas e instrumentos utilizados em cirurgias plásticas.
“O primeiro que chamou atenção foi a quantidade de seringas de ácidos hialurônicos lacrados novamente e etiquetados com o nome de pacientes para serem reutilizados”, diz a médica legista Camila Santana.
As seringas serão avaliadas para saber se de fato aquele material é o que está descrito ou se sofreu algum tipo de adulteração.
“Segundo a investigação, para lucrar mais vinham produzindo ou adulterando, diluindo esses medicamentos para aplicação diluída nos pacientes, dentre outros aspectos da investigação”, afirma o superintendente de polícia científica Ricardo Matos.
Procedimentos médicos
As clínicas não tinham autorização para realizar parte dos procedimentos. Uma equipe de dentistas e biomédicos conduzia a maioria dos serviços.
Para manter a clínica funcionando, Karine contratou dois responsáveis técnicos. Daniel Ferreira Lima é dentista, e Jessica Moreira dos Santos, biomédica. Os dois foram presos e liberados usando tornozeleira eletrônica, depois de prestarem depoimento.
Daniel disse que chegou a realizar oito cirurgias em apenas um dia e informou que a clínica cobrava em torno de R$ 5 mil por uma rinoplastia. O valor médio do mercado é de R$ 30 mil. Ele não tem curso de especialização na área, mas disse que adquiriu os conhecimentos acompanhando cirurgias realizadas por outros profissionais.
Embora fosse responsável técnica pelo local, Jessica contou que nunca teve autoridade para determinar o que poderia ou não ser realizado. Karine Gouveia, a dona da clínica, também não tem formação profissional na área da saúde.
A justiça bloqueou R$ 2,4 milhões de contas do casal e uma cota de sociedade na compra de um helicóptero. Os presos são investigados por organização criminosa, exercício ilegal da medicina, lesão corporal gravíssima, entre outros crimes.
O que dizem os acusados
Veja abaixo a nota enviada pela defesa dos acusados, na íntegra.
Os advogados dos investigados Karine Gouveia e Paulo César, Romero Ferraz Filho, Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, respectivamente, informam:
Karine Gouveia e Paulo César nunca tiveram a intenção de praticar qualquer crime. Quanto ao número crescente de pessoas que têm se manifestado, os investigados respeitam profundamente, mas é necessário analisar cada caso individualmente. Por exemplo, há pessoas que não seguiram as recomendações pós-procedimento, portanto, as consequências disso não se devem ao procedimento em si. Por isso, é essencial entender cada caso de forma isolada. A defesa alerta para a importância de se realizar perícias em cada caso, o que ainda não foi feito, com a participação de todas as partes envolvidas, incluindo os conselhos responsáveis, para garantir que todas as questões técnicas sejam devidamente validadas.
Sobre os procedimentos estéticos realizados na clínica, todos os pacientes sempre foram tratados com profundo respeito e cuidado. A defesa e os investigados acreditam que todos os fatos serão devidamente esclarecidos, inclusive - mas não se limitando - aos procedimentos realizados em 2017, que só agora estão vindo a público. É necessário compreender o que ocorreu nesse intervalo de tempo. Esse entendimento é tanto um direito quanto um dever dos empresários, diante dos 8 anos de atuação no mercado e dos mais de 30 mil procedimentos realizados. Vale ressaltar ainda que os empresários investiram milhões na construção da clínica, que conta com uma estrutura de 300 metros quadrados e uma equipe de 30 funcionários. A clínica sempre tratou com seriedade as questões de insatisfação dos pacientes, buscando resolvê-las com respeito e urgência.
Sobre a clínica de Goiânia e o alvará de funcionamento da clínica de Anápolis, em razão das prisões e das apreensões de documentos, a defesa não tem condições de fazer qualquer afirmação quanto aos alvarás, dada a dificuldade de confirmação das informações. Mas ressalta que todas essas questões administrativas serão regularizadas, como sempre são, ao seu tempo e ordem, conforme determinado pela vigilância.
Sobre a formação da Karine, a defesa esclarece que ela é empresária e nunca disse ser biomédica, assim como jamais executou qualquer procedimento na clínica. Esse áudio divulgado pela autoridade policial, violando o processo que corre em sigilo de Justiça, não condiz com a voz de Karine, o que qualquer perícia pode comprovar, se for verídico e íntegro.
A defesa manifesta ainda que o que está acontecendo com a Karine e o Paulo César, para além de ser uma prisão absolutamente ilegal, a acusação da execração e condenação pública contra pessoas ainda em fase de investigação, sem ainda qualquer comprovação de culpa, para constranger o Poder Judiciário a enfrentar a ilegalidade, tal qual aconteceu com a Escola Base de São Paulo, quando uma denúncia de um suposto abuso sexual mudaria para sempre os rumos dos donos da escola, a partir da condenação pública por depoimentos sem fundamentação e comprovação.
O uso irresponsável da forca da autoridade policial em um processo que corre em segredo de justiça, tem instigado e inflamado tal conduta por parte da sociedade com a divulgação de possíveis indícios, mas todas eles, sem qualquer perícia comprovada. Os casos dos quais a defesa tem conhecimento aconteceram em 2017, no início da operação de clínica, há 8 anos. E injusto tirar o direito de defesa de qualquer cidadão. É um absurdo que haja uma condenação, antes mesmo de haver uma investigação que precisa de todos os fatos periciados e comprovados.
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